DIMENSÕES: um palestrante brasileiro que discursava sobre trânsito, tinha o costume de começar suas palestras anunciando um recente e grande desastre. Mais ou menos assim: "Ao vir para cá, fiquei sabendo de um choque de veículos na Serra do Mar, envolvendo dois ônibus e vários outros automóveis. Há notícias de mais de 80 mortos." A platéia reagia com espanto. Imediatamente, ele desmentia e explicava a teoria do pânico frente aos grandes números. Por isso, os desastres de avião têm tanta repercussão. No caso, ele só chamava a atenção para os números dramáticos dos acidentes de trânsito no Brasil, dizendo que "por ano, temos uma tragédia que alcança milhares de mortos e sequer damos conta disso". Diante dos números do Japão, não há imaginação que dê conta do tamanho do desastre. Desastre humano, econômico, financeiro e físico: os efeitos para o planeta ainda não foram contabilizados.

NÚMEROS: até o começo desta semana, os números anunciados contabilizavam 3,5 mil mortos, 7 mil desaparecidos e cerca de meio milhão de pessoas desalojadas de suas casas (mais de 200 mil só na região de Fukushima). Fukushima entrou para a história e não adianta ouvir os acadêmicos de plantão. Ninguém sabe absolutamente nada. E não há como saber. O mundo não tem registro prévio de hecatombe semelhante. A tragédia de Tchernobil, em 1986, com um total de 50 mortes, não é páreo para comparações.

TRAGÉDIA ANUNCIADA: Fukushima é uma tragédia anunciada. Vários autores e inúmeras reportagens já vaticinaram sobre o assunto. O melhor anúncio veio com o filme "Síndrome da China" (interpretação magistral de Jack Lemmon). O filme se refere a uma usina da Califórnia. Como se sabe, a Califórnia (São Francisco) é zona de terremotos e local da famosa Falha de Santo André (San Adreas Fault), uma falha geológica de 1.290 quilômetros. Localizada entre duas placas tectônicas - Placa do Pacífico e Placa Norte-americana -, teoricamente, num grande desastre, a falha seria capaz de partir o Estado da Califórnia em dois, transformando uma parte em ilha do Pacífico. O nome do filme se refere à hipótese, tida como absurda, de derretimento total do reator atômico e sua penetração tão fundo que alcançaria a China, do outro lado do globo terrestre. Para aqueles que gostam de teorias catastróficas, basta dizer que do outro lado do Japão está um país chamado Brasil.

DESVIO DE MÍDIA: o problema de Fukushima está provocando um desvio de mídia: o terremoto em si, suas consequências e perdas materiais e humanas estão sendo relegados a segundo plano, enquanto a possibilidade de uma tragédia nuclear sobe para as primeiras páginas. A imprensa japonesa retrata de maneira heróica os 50 funcionários de Fukushima: nas mãos dessas pessoas, estaria em jogo o futuro da região e da população do entorno. Na verdade, essas 50 pessoas (das quais não se sabe sequer os nomes) estão fazendo milagres. Após duas explosões e um incêndio, o trabalho dos "50 de Fukushima" vem dando resultados: com as medidas permanentes da radiação no portão da usina, constata-se diminuição da radiação. A situação se complica com a neve e a possibilidade de chuvas. Reza-se para que o céu fique limpo e para que os ventos se dirijam para o Oceano Pacífico. Está provado que, a natureza nem sempre atende aos desígnios humanos.

POLÍTICA ENERGÉTICA: um dos efeitos imediatos do "caso Fukushima", será a mudança radical no tratamento da questão energética. A Alemanha vai desativar suas usinas mais velhas, aquelas que têm mais de 30 anos de instalação. O Brasil é um país ainda com potencial hidroenergético, mas que esbarra nas exigências técnico-ambientais, principalmente aquelas impostas pelo Ibama. Crescerá a importância do petróleo e, no caso, o poder estratégico do pré-sal. Enfim, certamente o mundo não será o mesmo depois da tragédia japonesa.

IMPREVISTO: repetimos que "o imprevisto é a lei que rege a história". Saindo da crise econômica de 2008/2009, o mundo se depara com a tragédia japonesa, que atinge a terceira maior economia da Terra. Há muitos que prevêem, comparativamente com o pós-guerra, um crescimento econômico em função da demanda provocada pelas necessidades de recuperação do Japão. Outros já falam em escassez de componentes para a indústria de vários países, decorrência de perda imediata da capacidade produtiva do Japão. Somos partícipes da opinião de que haverá, em curto prazo, desaceleração econômica e problemas com o mercado de capitais. Mas, a crise passada provou justamente que as economias são capazes de se reerguerem em prazos relativamente curtos.